09 dezembro 2022

Lições da Guerra Civil dos EUA mostram por que a Ucrânia não pode vencer

(Por Michael Gfoeller e David h. Rundell, in Newsweek, 
06/12/2022, Trad. Estátua de Sal)


Um pedestre caminha por uma rua durante um corte de energia
 no centro de Odessa em 5 de dezembro de 2022

(Afinal ainda há americanos lúcidos a conseguirem publicar em revistas do mainstream de grande circulação como a Newsweek, coisa que na Europa não acontece ainda! E o mais curioso é ver o currículo dos autores. Sim, algo está a mudar mas, por cá na Europa, os bandeirinhas azuis e amarelas, continuam aos pulos, quais macaquinhos amestrados. É como nas novelas de faca e alguidar: o corno é sempre o último a saber…

Estátua de Sal, 08/12/2022)

Durante os primeiros anos da Guerra Civil dos Estados Unidos, o presidente Abraham Lincoln conduziu um conflito limitado contra pessoas que ainda considerava compatriotas e com quem procurou a reconciliação. Somente após três anos de impasse ele se voltou para “A garantia de rendição incondicional”, que por sua vez deu carta branca ao general William Tecumseh Sherman para “fazer a Geórgia uivar” e levar a guerra a uma conclusão, decisivamente violenta.

O presidente russo, Vladimir Putin, esperou apenas seis meses antes de mudar de uma operação militar especial para uma guerra em grande escala contra a Ucrânia. O ataque inicial de Putin foi limitado a apenas 150.000 soldados. Ele esperava uma vitória rápida seguida de negociações sobre suas principais preocupações: controle russo da Crimeia, neutralidade ucraniana e autonomia para a população russa no Donbass, mas estava errado. Putin não contava com a dura resistência da Ucrânia ou com a maciça intervenção militar e económica do Ocidente. Perante uma nova situação, Putin mudou a sua estratégia. Agora ele está prestes a autorizar o seu próprio General Sherman e fazer a Ucrânia uivar.

No mês passado, Putin entregou ao general Sergey Surovikin o comando geral da guerra da Rússia na Ucrânia. Surovikin vem das Forças Aeroespaciais, tecnologicamente sofisticadas, mas lutou no Afeganistão, na Chechênia e na Síria, onde teve o mérito de salvar o regime de Assad. Surovikin declarou publicamente que não haverá meias medidas na Ucrânia. Em vez disso, ele começou a destruir metodicamente as infraestruturas da Ucrânia com ataques de mísseis de precisão.

Os exércitos precisam de ferrovias e, enquanto Sherman destruiu sistematicamente os carris que conduziam a Atlanta, Surovikin está destruindo a rede elétrica que alimenta as ferrovias ucranianas. Isso deixou as cidades ucranianas frias e escuras, mas Surovikin parece concordar com Sherman que dizia que “a guerra é cruel e você não pode refiná-la”.

A Rússia agora colocou a sua economia em pé de guerra, convocou os reservistas e reuniu centenas de milhares de soldados, incluindo recrutas e voluntários. Este exército está equipado com as armas mais sofisticadas da Rússia e, ao contrário de muitos relatos ocidentais, está longe de estar desmoralizado. A Ucrânia, por outro lado, esgotou seus arsenais e depende totalmente do apoio militar ocidental para continuar a guerra. Como o presidente do Estado-Maior Conjunto General Mark Milley observou na semana passada, a Ucrânia fez tudo o que podia.

Assim que o rico solo negro da Ucrânia estiver firmemente congelado, uma massiva investida russa terá início. Na verdade, já começou no importante centro de transporte de Bakhmut, que se tornou uma espécie de Verdun ucraniano. Espera-se que Bakhmut caia e prevemos que, sem muito mais apoio ocidental, a Rússia recapturará Kharkov, Kherson e o restante de Donbass até ao próximo verão.

Como o Ocidente fez no Vietname, no Afeganistão e no Iraque, estamos tropeçando num outro compromisso militar opcional e sem fim. Tropas ucranianas estão sendo treinadas na Europa. Empresas ocidentais de defesa já estão mantendo equipamentos militares ucranianos e operando os sistemas de mísseis HIMAR. Militares americanos em serviço ativo estão agora na Ucrânia para monitorar entregas de armas. À medida que a ofensiva russa ganhar impulso, esperamos que surjam vozes a pedir o envio de armas cada vez mais avançadas e, eventualmente, botas da NATO no terreno para defender a Ucrânia. Esses apelos devem ser inequivocamente rejeitados por muitas razões. Aqui estão algumas.

Gerações de líderes ocidentais trabalharam com sucesso para evitar o conflito militar direto com a União Soviética. Eles reconheceram que, ao contrário de Moscovo, o Ocidente tem muito pouco interesse estratégico em quem controla Donetsk. Certamente não estavam dispostos a arriscar uma guerra nuclear por Kharkiv.


A Ucrânia não é membro da NATO e por isso a aliança não tem obrigação de a defender. Putin também não ameaçou nenhum membro da NATO, mas deixou claro que quaisquer tropas estrangeiras que entrarem na Ucrânia serão tratadas como combatentes inimigos. Enviar tropas da NATO para a Ucrânia transformaria a nossa guerra por procuração com a Rússia numa guerra real com a maior potência nuclear do mundo.

Alguns apresentaram este conflito como uma questão de moralidade, entre o bem e o mal, mas a realidade é mais complexa. A Ucrânia não é uma democracia florescente. É um estado empobrecido, corrupto e de partido único com extensa censura, onde jornais da oposição e partidos políticos foram fechados. Antes da guerra, grupos nacionalistas ucranianos de extrema-direita, como a Brigada Azov, foram fortemente condenados pelo Congresso dos Estados Unidos. A campanha determinada de Kiev contra a língua russa é análoga à tentativa do governo canadense de proibir o francês no Quebec. Projéteis ucranianos mataram centenas de civis no Donbass e há relatos emergentes de crimes de guerra ucranianos. O desenlace, verdadeiramente moral e desejável da guerra, seria terminá-la com negociações, em vez de prolongar o sofrimento do povo ucraniano num conflito que provavelmente não vencerá sem arriscar vidas americanas.

E então há sempre a reviravolta inesperada dos acontecimentos, em que as tensões em uma região aumentam e se espalham para outra. Há uma possibilidade crescente de o Irão lançar um ataque militar preventivo contra Israel. O regime revolucionário no Irão está a enfrentar uma revolta popular cada vez mais séria. Um novo governo em Israel está determinado a impedir que o Irão adquira armas nucleares. O JCPOA está a morrer e com ele qualquer esperança de alívio das sanções à economia iraniana em declínio. Uma guerra uniria a população do Irão numa luta patriótica, prejudicaria a capacidade de Israel de atacar o Irão e pressionaria o Ocidente a negociar o fim das sanções.

Há pouca dúvida de que os Estados Unidos seriam arrastados para um qualquer conflito entre Israel e o Irão. O que nos preocupa é que o Irão tem fornecido armas à Rússia para a guerra na Ucrânia e Moscovo pode se sentir a obrigação de ajudar o seus aliado de Teerão. Esse tipo de efeito dominó foi precisamente o que deu início à Primeira Guerra Mundial. Quem esperava que o assassinato de um grão-duque austríaco por um anarquista sérvio na Bósnia levasse à morte de milhares de americanos na França? Não precisamos de uma repetição.

Talvez estejamos errados. Talvez não haja uma ofensiva de inverno russa ou talvez as forças armadas ucranianas possam detê-la. No entanto, se estivermos corretos e fevereiro encontrar o general Surovikin às portas de Kiev, deveríamos ter considerado com seriedade e debatido honestamente como nação e aliança a extensão de nosso compromisso com a Ucrânia e quais riscos que estamos dispostos a aceitar para a nossa própria segurança.

David H. Rundell é ex-chefe de missão da Embaixada Americana na Arábia Saudita e autor de Vision or Mirage, Saudi Arabia at the Crossroads. O Embaixador Michael Gfoeller é um ex-Conselheiro Político do Comando Central dos EUA. Ele serviu por 15 anos na Europa Oriental e na antiga União Soviética.

As opiniões expressas neste artigo são dos autores.