07 julho 2020

DOM JOÃO VI e DONA CARLOTA JOAQUINA _ paternidade Miguel I

SEM AMOR, NEM CALOR: 
O CASAMENTO ARRANJADO

A união foi um pedido de Portugal para melhorar a relação entre os reinos. 
No entanto, os pombinhos detestavam-se.

ANDRÉ NOGUEIRA PUBLICADO EM 17/01/2020, ÀS 09H00


Dom João VI e Carlota Joaquina em pintura oficial - Wikimedia Commons

Madrid, 1783. Na sede da Corte Espanhola, chegava o enviado da Coroa Portuguesa, o Conde de Louriçal, representante do Rei Pedro III de Portugal, para realizar o pedido oficial do himeneu – ou seja, o casamento – entre seu segundo filho, Infante D. João, e a primogênita do herdeiro do trono espanhol, D. Carlota Joaquina. Já naquele momento, viu-se que esse acordo seria turbulento: desde o dia, o representante português alegou antipatia com a pequena princesa espanhola.
Portugal queria traçar uma união diplomática (e, claro, não política) entre as Coroas Ibéricas para fim de proteção e confiança mútua naquele momento de perda de centralidade de ambos os Reinos no cenário europeu.
O objetivo eram negociações diplomáticas de apaziguamento e um arranjo dinástico entre as Coroas, que já possuíam herdeiros definidos. A Espanha, ao mesmo tempo, necessitava de boas relações com o vizinho. Muitos nobres portugueses temiam o desencadeamento de uma nova União Ibérica, mas a rainha Maria I sabia que a Espanha não tinha força para tanto.

Nesse confuso cenário, dois anos de negociações foram necessários para que, em 8 de maio de 1785, fosse normalizado o contrato de casamento entre as partes. Com isso, seria selada a amizade entre Portugal e Espanha.
No entanto, o choque entre as realidades foi forte. A Corte espanhola, ambígua, fazia suas princesas passarem por uma etiqueta rígida, ao mesmo tempo em que possuía uma rainha progressista que fazia grandes festas no Palácio, criando um ambiente de verdadeira alegria e liberdade, se comparado com as demais cortes europeias. Já o Palácio Português era espaço de um forte catolicismo tradicional e conservador, enquanto os portugueses possuíam um forte receio em relação aos espanhóis. Por isso, foram necessários muitos anos de negociações.

Por terem relações parentais e pelo fato de que, enquanto João tinha 18 anos, Carlota era uma criança de 10, foi necessário uma dispensa papal para a consumação do casamento. Após tal realização, Foi outorgado o acordo de capitulações matrimoniais no Palácio Espanhol, em uma cerimônia com estilo e pompa, em que representantes de ambas as Cortes testemunharam o acordo, seguido da confirmação do noivado e de um banquete.
Nesse meio tempo, Carlota Joaquina passou por embaraçosos testes da Corte Portuguesa, que exigia da moça postura e decoro. Com representantes de ambos os Reinos, Carlota realizou o procedimento e passou com excelência. Ela, destacam os que a conheceram, era absurdamente inteligente.


Retrato pedido por Carlota quando deixou a Corte Espanhola / Crédito: Wikimedia Commons

Depois de toda essa ladainha, foi considerado correto a realização do casamento e Carlota, então, seguiu em uma comitiva espanhola em direção a Lisboa, sendo recebida no Palácio do Paço de Vila Viçosa. Em 1785, casou-se com João, dando origem ao que a Europa inteira considerava o casal mais horrendo do continente. Era o preguiçoso príncipe barrigudo de olhos esbugalhados e a vaidosa menina ossuda, ainda jovem demais para gerar descendentes.

A situação complicou-se ainda mais com o crescimento de Carlota. Ambiciosa e impulsiva, ela casou-se com um príncipe paspalho de uma rainha detestada pela Europa (mesmo que, depois, ambas se tornassem grandes amigas), que se tornou herdeiro do Império após a morte de seu irmão, D. José.

Carlota era neta preferida do Rei Carlos III da Espanha, e por isso era obstinada, inteligente e ardilosa, sendo submetida como consorte de uma dinastia extremamente fechada. Por isso, tramou contra João (quando já era o sexto, Rei de Portugal, Algarves e, ainda, Brasil) em diversas ocasiões e quase conseguiu tomar o trono e se tornar rainha absoluta de Portugal algumas vezes.

++Nota: todos os adjetivos aqui usados para descrever os pombinhos foram retirados de documentos da época.


Miguel I de Portugal

Questão da paternidade

“Mas o indubitável é que D. Miguel não é filho de D. João VI.(...) O erário público pagava a um apontador para apontar as datas do acasalamento real, mas ele tinha pouco trabalho. Isso não impedia D. Carlota Joaquina de ter filhos com regularidade e, ao mesmo tempo advogar inocência e dizer que era fiel a D. João VI, gerando assim filhos da Imaculada Conceição. No caso de D. Miguel, havia cerca de 2 anos que D. João VI não acasalava com a sua mãe. Mas uma coisa é saber-se que não era o pai, outra é dizer quem era o pai, porque D. Carlota Joaquina, não era fiel nem ao marido nem aos amantes.”

— Declarações de Laura Permon, a mulher do embaixador Junot em Portugal, citada por PEREIRA, Sara Marques (1999), D. Carlota Joaquina e os Espelhos de Clio - Actuação Política e Figurações Historiográficas, Livros Horizonte, Lisboa, 1999, p. 53.


Algumas fontes bibliográficas e testemunhos da época sugerem que D. Miguel teria sido fruto de alegadas ligações adúlteras de sua mãe, D. Carlota Joaquina de Bourbon. Segundo estas, o próprio rei D. João VI teria confirmado não ter tido relações sexuais com a sua esposa durante mais de dois anos e meio antes do nascimento de D. Miguel,[17][18] tempo durante o qual o rei e a rainha terão vivido em guerrilha conjugal, permanente conspiração, e só se encontravam em raras ocasiões oficiais.[19]

Segundo esta teoria, D. Miguel poderia ter sido filho do Marquês de Marialva (com quem se assemelhava fisicamente), ou do jardineiro do palácio da rainha, ou ainda de um outro serviçal do Ramalhão (o palácio localizado perto de Sintra, onde D.ª Carlota Joaquina vivia separada do seu real esposo).[20][21] Em 1912, o romancista republicano Raul Brandão escreveu que João dos Santos, o cocheiro e jardineiro da Quinta do Ramalhão, seria o pai de D. Maria da Assunção e de D. Ana de Jesus Maria, enquanto D. Miguel seria filho do marquês de Marialva.[22] Por seu lado, o escritor Alberto Pimentel assegura numa obra publicada em 1893 que ...passa como certo que dos nove filhos que D. Carlota Joaquina dera à luz, apenas os primeiros quatro tiveram por pai D. João VI.[23]

Os defensores desta teoria não conseguem contudo explicar o porquê de D. João, se tinha de facto dúvidas quanto à paternidade de D. Miguel, ter reconhecido este último como seu filho. Repudiando D. Miguel, o monarca teria a mais soberana das oportunidades de anular o seu casamento com D.ª Carlota Joaquina. Se não o fez, é lícito afirmar que não tinha quaisquer dúvidas quanto à paternidade de D. Miguel e que essas dúvidas são fruto de meros mexericos sem base sólida e muito explorados por alguma propaganda pró-liberal e por alguns monárquicos da actualidade que pretendem privar os descendentes de D. Miguel da condição de pretendentes ao trono de Portugal.

Por outro lado, dado que as dúvidas sobre a paternidade de D. Miguel acima referidas têm como base fundamental as memórias dos acima referidos, a saber, um ex-secretário da rainha, José Presas, e Laura Permon, mulher do General Junot, em cuja escrita sobressai uma profunda antipatia pela Corte Portuguesa e por D. Carlota Joaquina, a sua veracidade torna-se mais duvidosa ainda.[24] Nas suas "Memórias", esta dama francesa (que usou o título de duquesa de Abrantes durante a sua permanência em Portugal) sublinhou aquilo que considerou a diversidade cómica da descendência do rei D. João VI: O que é notável nesta família de Portugal é não haver um único filho parecido com a irmã ou o irmão.... Segundo ela, o "rei Absoluto" teria tido por pai "um moço de estrebaria".[25]

É um facto que, ao longo da História, são muitos os casos em que a fidelidade conjugal de reis e rainhas é posta em causa. Mas, neste caso específico, a veracidade desta teoria torna-se um tanto remota se atendermos também ao facto de que nenhum dos historiadores liberais de referência do período pós-miguelista (Luz Soriano e Alexandre Herculano) coloca em dúvida a paternidade de D. Miguel, mesmo apes VI.[27ar de terem sido seus inimigos confessos e de inclusivamente terem combatido contra ele durante a Guerra Civil.[26] Mais recentemente, as investigadoras e docentes universitárias Maria Alexandre Lousada e Maria de Fátima Sá e Melo Ferreira defendem também elas que D. Miguel era filho legítimo de D. João VI.[27]